30 de janeiro de 2012

Às vezes só é

Posso olhar para uma flor e encontrar nela a melhor poesia a ser escrita, ou simplesmente ignora - lá, com o pesar de que ainda assim, é apenas uma flor. Chutar uma pedra e tentar reescrever sua existência, ou simplesmente amaldiçoa - lá por ter estado a minha frente. Pegar um papel e tentar escrever ou amassar a folha branca... Podemos tudo, mas às vezes, o tudo não nos convém. E por um dia, eu simplesmente perceber que não me restou um resquício de “eu” poético, não me caia a culpa de ser insensível; é que aprendi que nem tudo são flores, poesias.

Adélia Prado ao dizer que “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”, mostra, ou melhor, concorda comigo que às vezes a nossa humanidade é esquecida para ser aquilo que ouvimos alguém pregar. Às vezes, deixamos de lado as nossas coisas por um dia simplesmente termos decidido ser alguma coisa.

Às vezes só é aquilo que de fato é. Parece até encheção de lingüiça, mas não é. A gente fica procurando a palavra certa para as coisas. A palavra certa para aquele sentimento que nos desperta e nos coloca a frente de outra pessoa. Às vezes, amor só é amor, mas a gente, tão burro que somos, tentamos encontrar a palavra “adequada”, quando o mais adequado já está na ponta da língua. Às vezes, ódio é por si próprio, mas não assumimos e vamos atrás de algum sinônimo, para doer menos. Às vezes, Deus é Deus e não mais e menos que isso; as pessoas são elas e nada mais que isso. Uma carta é um amontoado de palavras, uma prece uma enxurrada de dizeres e nada, além disso.

Adélia volta e nos diz: “A vida é muito bonita, basta um beijo e a delicada engrenagem movimenta-se, uma necessidade cósmica nos protege.” E não precisamos de mais, mas o mais sempre nos é o melhor. Não estamos acostumados com as coisas do jeito que são. Somos adeptos dos improvisos, dos aplausos, das luzes e do reconhecimento publico. Quando somente o beijo já nos seria motivo de grande satisfação, a gente recorre a orgias. Quando o joelho no nosso próprio quarto nos libertaria, recorremos a grandes templos, afim de que os olhos alheios sejam os olhos da Superioridade, mas não é. Queremos púlpitos, platéia, chuva de papel picado.

E porque somos assim, desse jeito, querendo que as coisas sejam diferentes do que elas são, vamos perdendo a oportunidade da vida, de experimentar como ela e também, de sermos quem realmente somos. Se fantasiamos uma bela flor, por que não iludiríamos a nossa existência? Quem disse que uma flor é mais que uma flor, consegue fazer da vida, muito mais que uma vida: consegue fazer dela, um circo, cheio de palhaços.

Não gosto de circos, palhaços e nem de fazer poesias que dão vida a uma pedra e matam os homens. Não sou adepto desse nazismo de palavras. Sou, aos poucos, um ser acordado que vê diante do muro, um muro. Da ponte, uma travessia, do céu, um sol ou muita chuva. Não sou do tipo que faz carinha na lua e nem morde as estrelas. E mais uma vez, mas como Adélia, ‘ com o perdão da palavra, quero cair na vida.” Sem mais, as vezes só é!

4 comentários:

Célia disse...

Preservar nossa identidade e autenticidade é um dos maiores desafios na vida! Ótima reflexão!
Abraço, Célia.

Amanda Cavalcanti disse...

Muito bom seu blog, parabéns!

Dá uma olhada no meu: http://cativameee.blogspot.com/

Renata Cundari disse...

"Chutar uma pedra e tentar reescrever sua existência, ou simplesmente amaldiçoa - lá por ter estado a minha frente."

É EXATAMENTE ESSA A LIÇÃO QUE PRECISAMOS URGENTEMENTE APRENDER, QUE TUDO AQUILO QUE DE ALGUM MODO SURJA EM NOSSA FRENTE NO CAMINHO QUE TRILHAMOS, QUE AO INVÉS DE AMALDIÇOAR, POSSAMOS COMPREENDER E TAMBÉM TIRARMOS PROVEITO DO QUE QUER QUE SEJA, SEJA UM OBSTÁCULO OU APENAS MAIS UM TRECHO BONITO DA ESTRADA!

Sou suspeita, mas amei o texto !! :)

Yhuri disse...

Uma reflexão um tanto realista, mas romantismo em excesso vira baboseira num piscar de olhos.
Seu blog é um achado!
Parabéns.

Se quiser, dá uma passada no meu: www.dopensante.blogspot.com

Abraços!