12 de maio de 2011

Alcunha

Era Alcunha, retirante de uma terra sem nome como ele próprio, sem documentos e algumas roupas em sua mala de viagem sem volta. Andava por aí sem um ponto de partida sólido e um final concreto, não tinha exclamação e sobraram-lhe apenas as reticências, mas mesmo assim vivia, um tanto que às avessas. Os nos em sua garganta era o laço decorativo de um presente incerto e sob o arranha-céu da cidade grande, a figura de si mesmo, era arranhada quase que aos pedaços e as pedras que fincavam em seu calcanhar, desenhavam no chão, os derradeiros passos do itinerário humano que ali se encontrava.
Não tinha cama e seu leito era parecido como o da morte de tão fria que somente em sua condição subumana poderia desdenhar a sua alma. Torto, encolhido. Deitava a beira das portas e que coisa chique eram aqueles letreiros iluminados que expunham seu rosto a quem quisesse ali assistir a vitória do homem esquecido por entre os milhares de outros ali jogados, como se tivessem como o teto o negro do céu sem estrelas e coberto pela cinza dos homens elegantes.
Vez ou outra se aventurava e se perdia. Não tinha dono, nem rei, nem dor de barriga. Era livre como o pássaro esquecido na gaiola e solto como o cachorro amarrado em um tronco qualquer. Seu Deus o abençoou com a fome e a tristeza. Os seus anjos eram as entidades que aos finais de semana, decoravam as praças com uma comida estranha, mas suficiente de fazer qualquer um de seus irmãos por ali, se render e adorar o prato cheio de coisa qualquer. O pão do céu misturado no arroz e feijão. O vinho sagrado era o suco em pó mal dissolvido. Era o milagre que a barriga vazia rezou a semana inteira.
Entre as estreitezas da vida e corpo que caminha sem rumo, é a voz embargada de um homem sem todos os dentes e cabelo desgrenhado pelo tempo, que se ouve a canção do mundo. Aquela que fala de saudade e que não se pode chorar. Do amor que nunca pôde amar e dos seus que ficaram e o deixaram ir sem ao menos segurar em suas mãos para se despedir.
Não. Nada abatia aquele sujeito sem adjetivos pessoais. Carregava no peito, uma vontade de viver e morrer. Cada coisa na sua hora. Cada hora a seu pesar e cada esquina, o deitar para nunca mais voltar. Não queimou na cruz e nem subiu aos céus. Ficou ali e permaneceu, cresceu e ouvir dizer, mas nada aconteceu. Escreveu sua vida entre os fios de sua história. Aconteceu, que num dia desses, ele enfim se rendeu a verdade que só faltava ele testemunhar a favor, de que era um conto sem eira nem beira e que nenhum outro louco iria contar.

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