25 de junho de 2011

Outro Zé

O corpo atirado no chão sendo palco dos olhos daqueles que passavam por ali. Uns diziam ser Pedro, outros tinham a certeza de que se tratava de Tobias, mas o moribundo estatelado na calçada não era Tiago, Marcos, João e nenhum outro discípulo amado do mundo que o cercava. Era apenas mais um José. O ator de suas próprias estréias e diretor de algumas de suas ações, quando não de porre de uma cachaça vagabunda que lhe era oferecido. Estava ali, envolto de seu próprio sangue, aquele líquido coagulante que alguns homens trajando uma roupa cinza em nome de alguma coisa, lhe roubara. Assim como o ar, os sentidos e a vida.
Ora, aquele sujeito era um homem bom. Trabalhava de carpinteiro e deixava sua Maria em casa cuidando dos filhos para que a noite quando regressasse, pudesse educar a sua maneira os rebentos que agora não tinha pai. Faltará o homem que porventura de um destino escrito pelos outros, ensinará os valores da vida. Caíra sobre as costas dessa mulher, o fardo de semear, cultivar e colher com suas mãos já não delicadas, as flores e espinhos que a partida repentina de seu homem lhe propôs.
Crianças iludidas com uma chegada que não haverá nunca mais. Presentes prometidos que se adiaram por mais longos e ardorosos invernos e verões. Nada muda, a não ser que agora, sujeitos a ter que aprender a ser grande, quando o ofício de seus afazeres era apenas ser inocente. Quebraram-lhe a casca e prematuramente, deverão se tornar homens e mulheres grandes.
Como o sangue pintando a calçada de qualquer lugar, o coração daqueles que ficaram tingirão corpos e almas. Divididos e separados dos braços grotescos se acharam perdidos e passaram fome, frio e medo. Sentiram saudade, mas não vão chorar. Os gritos não sairão e a vontade instantânea de morrer virá a todo instante, como o ar que invade suas narinas.
A filha mais velha saíra todas as noites e no outro dia, entregará a mãe alguns míseros trocados que um trabalho secreto lhe render. O suor se misturará as lágrimas durante o dia, enquanto cuida da casa e vê sua mãe sair para cuidar de uma casa que não é a sua. Com seus dezessete e poucos anos, se tornará mulher dentro e fora de casa. É a única maneira de manter firme e não deixar que tudo caía de uma vez. Por amor a sua mãe, abrirá mão dos sonhos e viver do jeito que a vida lhe oferecer.
O homem de casa agora será um menino de apenas treze anos. Adornar-se-á com as coisas do pai que saiu e o abençoou e tomará para si, as obrigações do velho que se esqueceu deles ali. E enquanto exerce sua função; a de carpinteiro como de seu genitor, irá construindo aquele que será o depósito do seu corpo num tempo oportuno. Queimara no madeiro e esquecido também será como aconteceu com sua mãe, irmã e o resto de sua família. Uma santa e última será a ceia, antes que tudo exploda e vá para os ares. E assim, morreu o outro Zé, que mais uma vez, esqueceu de revelar o nome.

Nenhum comentário: