28 de abril de 2012

Idiossincrasia

Clara, submissa de seus pensamentos, hora pessimistas, hora contraditórios, com ódio, muito ódio, raiva, mas ainda com aquela sensação de sentimento contrabandeado. Sentia, queria, tentava julgar todas as palavras ditas e um relacionamento de meses interrompido por aquele vagaroso aforismo, “vamos dar um tempo”. Ela tentava acreditar que existia esse momento na vida de qualquer casal de verdade, porém, a certeza de que um fim estava sendo consumado, tornava-se cruz de toda sua esperança, ou melhor, de todos os seus devaneios. Clara tinha a imaginação infértil.

Certa noite, Camila enviou uma mensagem ao celular de Clara, pedindo que fosse a um Café no Centro da cidade, pois precisavam conversar. De certo modo, a atriz principal da história que tinha por si própria um dia escrito, sentiu um pouco de pavor, não sabia virar a página. Convicção de que era necessário, mas não naquele momento, em que acreditava tanto na paixão.

Sete e pouco da noite, Clara tomou um banho. Jogou na banheira centenas de pétalas de rosas, desejou em seu pensamento que todo o seu momento não se desfizesse, como se desfaziam as bolhas de sabão a sua frente. Não estava pronta para naufragar. Aquela sua idiossincrasia funcionava bem com aquele período em sua vida. Clara fechou o corpo, vestiu um macacão preto, batom vermelho nos lábios, lápis preto nos olhos, sacudiu o cabelo meio louro, meio castanho, parecendo, se confundindo com uma vadia, puta, louca, devassa.

Desceu pela escada, não queria chegar logo no Café. Imaginava que tudo seria apenas uma conversa, de algumas coisas que talvez precisassem mudar. Expectativas diante tudo o que talvez pudesse ser uma ilusão.

Foi pela avenida mais longa, parou e fez questão de cumprimentar todos os conhecidos, adiando assim, alguma coisa que não sabia e que não queria.

Chegou ao lugar combinado com alguns minutos de atraso, mas Camila ainda não tinha chegado. Sentou-se do lado de fora do Café, pediu um expresso bem forte e acendeu um cigarro. Tomou toda xícara e enquanto esperava, o que durou cerca de uns vinte e cinco minutos, fumou descontroladamente.

Uma olhou no olho da outra e Camila sentou-se do outro lado da mesa, ficaram assim, frente a frente. Pediram café e cada uma acendeu seu cigarro.

Clara interrompeu aquele absurdo silêncio. Tentou puxar assunto, comentando o dia que teve. Falou também do interesse por uma cadelinha que tinha visto a venda numa dessas casas de ração, a qual daria o nome de Lessy. A outra, enquanto tragava o seu cigarro, olhava atentamente para os lábios que não cessava de falar. As asneiras de Clara eram tantas e encarada por Camila como folias de uma alma subversiva. Pérolas, por assim dizer, as Pérolas de Clara.

O celular de Camila toca e com isso Clara cala a boca, levanta e vai ao banheiro. Merdas passaram por sua cabeça, mas muitas merdas mesmo. Só ela tinha falado, e a outra se manteve em silêncio. Nunca tinha sido assim. Quando respondia, Camila era monossilábica. Concluiu que era o fim, olhou no espelho e como se assumisse uma personagem, como sempre fazia nos momentos difíceis de sua vida. Tinha um problema em encarar a realidade, então, formulava peças teatrais, mas ela tinha sensatez suficiente para saber que nenhum joguinho melodramático funcionava com Camila. Voltou para a mesa e Camila, vestindo um jeans claro, regata branca e chinelinho de couro, abriu a boca. Falou o que tinha que falar e não poupou guardar o que não precisava ser dito. Clara vagou, diante o mundo que desmoronava a sua frente, permaneceu firme. Murchou, calou, sangrou por dentro. Levantou e sem dizer nada, foi embora, agora pelo caminho mais curto. Queria chegar logo em casa e lá, tirou toda a roupa, foi na cozinha, pegou vodca e acendeu outro cigarro. Voltou para a sala, fechou os olhos, como se quisesse apagar para sempre, deitou no tapete. Logo adormeceu, teve pesadelos, o celular tocou, mensagem de texto.

Clara havia sonhado. Acordou assustada, achando mesmo que estava no chão, mas não, tudo foi fruto de sua imaginação, acendeu o abajur do lado de sua cama, pegou os óculos, vestia uma camisolinha bem comportada, leu a mensagem que dizia onde seria filmado o filme no outro dia. Clara era Camila nas filmagens e aquilo estava afetando seu psicológico. Levantou da cama, olhou no espelho e quis acreditar que Camila não era de verdade, pensou em Ana, sua namorada que tinha se afastado por perceber que Clara estava muito parecida com Camila. Chorou e quis mesmo que acabasse logo as gravações, precisava deixar Camila ir. O amor de sua vida se dava em sonhos e desse pesadelo, ela queria fugir, sumir, apagar.

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