9 de junho de 2012

Flor da Pele

Profanico

E ele, todo ele, somente ele, se achava profanico pelo simples fato de descrever, sempre e na maioria das vezes em seus livros, virgens putas, monjas cafetinas e padres, sempre gay. Tudo para ele se resumia a um tratado transcendental de sexualidade e toda vez que nos encontrávamos, havia lá certo choque de ideias, sem acento, ideia não tem acento, porra, ele sempre me corrigia. Não que eu estivesse sempre perseguindo seus devaneios, pois eu tinha os meus o suficiente, mas alguma coisa me deixava muito encanado, encantado, meio livro empoeirado gritando, me pegue, me abra, me engula. Não era a perfeição de seus textos, mas sim a totalidade da obra que sempre pendia para aquilo que ele sempre dizia não suportar.

Tudo bem que ele gostasse assim, tanto-tanto de um rabo de saias, mas como muitas vezes ouvi de sua própria boca, eu não passava de uma bicha, que veados tinham mesmo que apanhar e isso e aquilo. Aquele tipo de preconceito que ultrapassa o machismo e sempre deixa o ouvinte com uma pulga atrás da orelha, um sexo excitado pelo que te odeia. Desculpe-me, soa sujo? Talvez retine aquela velha nostalgia de desejar sempre o brinquedo do outro, o dele, aquilo que ele defendia ser sua macheza, toda em meus pensamentos. Sujo, porco, veado, eu era e ele?

Todo aquele tipo de macho que toda hora bate no peito seu peito ser homem deve alguma coisa. Como se quisesse apagar um passado ou esconder um presente, e ele era desses que a todo instante falava, falava e falava: sou macho porra! Macho, porra, ele e eu ainda assim, o menino afeminado de sempre, porra!

Certa vez, decidi meio que ao acaso investigar se ele era mesmo o que falava. Eu tinha lá as minhas suspeitas que desde sempre formigavam dentro de mim. Sabe? Aquela coisa que te deixa intrigado. Eu me sentia assim em relação a ele. Devia ser ao fato de eu o achar um homem atraente, mais ainda quando ofendia. Não que eu seja nenhum tipo de masoquista ou coisa do gênero, mas é bom saber que você deita na cama com um homem e não com uma moça, pois, eu tinha coração de moça, toque de moça, um veado bem feito, formado entre mulheres, putas e antigas cafetinas.

Quanto mais o tempo passava, eu me sentia atraído por ele, de tal forma que pensei que era agora ou nunca. Eu precisava desafiar os meus e seus limites, mas como? Veio-me a interrogação de assombro. Passei dias a pensar em uma maneira segura, mas bastante certeira na forma que eu conduziria toda a minha investigação. Mas nada me vinha à mente e os dias corriam mais depressa que a vida podia esperar. Enfim, quando pensei em desistir, o próprio destino, acaso, ou seja, lá o que fosse me sorriu e não precisei fazer muito. Sem nome atado a uma maça vermelha, nem simpatia, nem nada, apenas a sorte, quem sabe? Tesão? Não sei. Coisa nova, sentimentos novos, e ele, o velho ser socialista, esquerdista ou o diabo a quatro.

Certa vez, sentado num café, bem na esquina da Igreja Matriz, frente ao bar, a rua dos drogados, por volta das nove e pouco da noite, tomando uma cerveja estupidamente gelada, entrou no lugar o sujeito, ele, o macho. Fiquei na minha, tinha passado aquela vontade de qualquer coisa a respeito de saber mais sobre ele. De repente, vi que ele vinha em minha direção, puxou uma cadeira e sentou-se. Não éramos assim tão amigos para que ele pudesse sentar no mesmo lugar que eu, mas não resmunguei. Pensei, se foda ele, mas por dentro um foda a mim.

Então, ele começou a puxar assunto. Falou de umas pessoas mortas, escritores enterrados e comecei a sentir ânsia de vomito. Não que eu fosse uma daquelas pessoas que desprezassem a literatura dos antepassados, porém, era de noite e ele veio interromper minha cerveja para falar de morto? Cadê o senso do ridículo daquele sujeito? Talvez, se ele me falasse da vida cotidiana daqueles dias, eu não teria o mandado tomar no cu bem na hora que perguntou se eu já tinha lido Nietzsche. Daí comecei a chamá-lo de pseudo-intelectual, pseudo-escritor e todos os “pseudos” possíveis e prováveis no mundo. Vi suas mãos fecharem, pronto a dar socos na minha cara, mas claro, antes que isso acontecesse, ofereci uma cerveja. Meio não querendo, ele aceitou e depois ele me pagou uma e eu outra, totalizando umas vinte e sete long-necks. Senti que estava alto e ele disse com todo aquele ar socialista, anarquista, sabia lá o que de fato ele era: Porra! Caralho estou bêbado. Olhei nos olhos deles e chamei-o de menininha. Daí o caldo entornou e a feição do macho de plantão a minha frente fechou. Ficou bravo, cara de diabo velho, porém, medo eu não tinha e olhei de novo bem nos olhos dele e disse: e não me vem com esse seu super-herói inventado para suas fabulas e que fabulas. Caso a parte. Desconfio de todos que se dizem uma coisa, quem é não bate no peito, apenas é. Talvez um murro dele fosse o suficiente para calar a minha boca, mas ainda bem que ele era um desses seres humanos que acreditavam na revolução do amor, onde a arma era o amor apreendido nos livros.

Devolveu-me algumas palavras, daquelas que não ofende quem de fato aceita a sua vida. No meu caso, gay desde os quinze, quando me chamam de veado, bicha, gay, não vejo de forma pejorativa e nem discriminatória. Até mesmo uma coisa que não sou, mulher, vindo de machos aqueles “mulherzinhas” não é levado muito em consideração. Estranho ver veado que se ofende com esses sinônimos, claro, tem aqueles que estão no armário ainda, daí sim é um castigo, coitados ou coitadas, já não sei mais. O fato era que ele, sujeito cabra da peste era um homem do armário. Não que ele fosse mesmo um gay, nem coisa do tipo, mas era alguém que estava no armário de suas razões, que deturpava tudo a sua volta por um simples preconceito, desse modo, sentia a missão de infernizar a sua vida, nem que eu fosse parar no hospital, todo esquartejado.

Antes que um possível copo então voasse em direção a uma das partes, pedi mais duas cervejas à garçonete com cara de puta e ele se acalmou, meio cão adestrado, meio puta com espelho em mãos, meio ele, assim e nós ali, inventando uma história. Naquele exato momento era bom manter bêbado, daquele jeito que ele estava, balançando a cabeça para lá, trazendo o corpo para cá, sem muita noção do que estava fazendo. Alguma coisa me levou a bater as portas da regeneração, brincadeira, das desculpas. Não sei, senti uma vontade de pedir perdão por alguma coisa que eu tinha dito e como sou homem de minhas próprias emoções, assim o fiz. Ele me olhou de forma estranha, como se não tivesse entendendo mais nada. Por último ele, já meio desconexo do corpo, meio que parecia que sua alma saia do corpo e o que passou a comandar foi uma labareda profanica, uma putaria barata. Coitado, Bukowiski demais. E eu comecei a acreditar naquela velha frase que “cu de bêbado não tem dono”, pelo simples fato dele ter, como um milagre, mudado da água para o vinho.

Uma tremenda falta do que fazer levou-me a entrar na vibe ao qual tinha se instalado o corpo do sujeito. Talvez, fosse o momento exato de saber o que queria saber, mas a noite foi promiscua vagabunda e pornográfica. Depois de tanto blá-blá-blá, vi-me obrigado a pendurar aquele marmanjo no braço e levar até sua casa, graças às forças ocultas de minha oração, era bem próxima à moradia daquele cara.

Sei que no final das contas, descobri mais sobre a sua verdadeira identidade sexual. Tive a certeza de que ele não era dessas bichas bem bichas, mas também não era desses homens tão machos. Tinha alguma coisa dentro dele, que depois daquele porre o fez sentir-se mais livre, leve. Como se fossem plumas a decolar. Aquela foi uma noite boa em que todos os meus desejos secretos foram desvendados e ele, meio sem jeito deu a entender que queria mais, não àquela hora, mas em outros possíveis dias, porém, meus últimos dias por aquele lugar eram certos. Recebi uma proposta tentadora de trabalhar em um, acredite, editora de livros e afins na capital. Aceitei prontamente, havia tempos que não me sentia motivado para trabalhar em alguma coisa. A carreira de jornalista em si tinha me cansado, então eu fui, me encontrando algumas vezes depois com o macho, através de seus posteriores livros. Tornei-me aquele que lia todas as suas obras e tinha uma certeza ao final de cada manuscrito, que o gay pelo qual ele sempre se tornava amigo no final, era eu, e o único que o personagem principal um dia casou com um homem, eram talvez as suas vontades noturnas, onde nossos corpos se unindo, mais que numa esfera de masturbação e sim, um encontro de almas! Mas ainda assim, esperava por ele em minha cama, convites não faltaram. Um dia, estava certo que um dia eu conseguiria, por hora sempre me sobrava outros corpos, outros vagabundos, outras faíscas de paixões.

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