14 de fevereiro de 2013

Noite Preta

Faço sempre o contrário: durmo de dia e vivo a noite. A madrugada me encanta mais. Posso sair por aí que não corro o risco de ser vista vestida de qualquer jeito, com ou sem maquiagem. De cabelo arrumado ou não, saio por ai em busca de um mísero bar aberto onde eu possa tomar minhas cervejas a vontade. Sempre encontro alguma coisa para beber e ficar tranquila. Foda que o dinheiro está acabando e eu vou ter que reestruturar meu cronometro, ou seja, trabalhar de dia e dormir a noite, acumular bens e dinheiro para eu daqui a seis, oito meses pedir conta e voltar à vida noturna.

Entendam que não tenho nenhum problema assim tão monstruoso com a luz do dia, mas o sol me incomoda. As ruas movimentadas me irritam. Frisson só se for em balada, fora isso, é um conglomerado de babacas e senhoritas bancando a feliz da vida tendo que vestir aquele terninho impecável. Não sou adepta do cilicio cotidiano que é assinar ponto, comer rápido e ter uns minutos para bater perna, assinar o ponto de novo. Não sou daquelas que nasceu para ter que chegar em casa, fazer janta, assistir as novelas e dormir cedo porque no outro dia a obrigação me acorda. Mas como eu disse, o dinheiro está acabando e é melhor eu começar a me habituar. Começando dormir menos durante o dia e mais a noite. Sair e entregar uns currículos e esperar uma oportunidade de emprego me chamar à atenção. Seis meses, no máximo oito – eu penso.

Outra coisa que a noite me possibilita é que ninguém vem me encher o saco. Não tenho telefone fixo para que não me incomodem e meu celular vive desligado. Sinceramente estou isolada do mundo convencional. Muito raro eu checo os e-mails. Juro que tentei me manter no ciclo vital da vida, mas é foda. Depois que a gente passa alguns dias vivendo a noite mais que o dia, nos apaixonamos. É como se um amor verdadeiro e cheio de possibilidades batesse a nossa porta e nos enchesse de mimos e a noite me mima, me embala, me deixa mais a vontade. Mesmo não saindo, passo a noite acordada. Consigo ler mais, escrever um pouco e pensar milhares de bobagens.

Nos bares que não fecham as portas vejo todas as portas abertas. Uma sorte aqui, uma coincidência ali. Satisfação misturada com um prazer incomparável. Os caras que também vivem a noite são os melhores e mais belos, não de beleza (alguns são), mas de alguma coisa em comum, vontades que só a madrugada quietinha vem dizer ao pé do ouvindo e que só a alma desperta consegue entender. Um olhar aqui, uma piscada ali, um levantar de copos de ambos os lados, um tim-tim no espaço. Aproximação, beijo no pescoço, outras cervejas, alguns cigarros, um papo mais elevado, a voz baixa e uma musiquinha xexelenta tocando bem no fundo. A penumbra permite a sútil excitação e mesmo que não saiamos do bar carregado pelo cara que nos cantou a noite inteira, a satisfação é declarada. Bem vindo a noite preta!

Lá pelas 5h eu peço a conta, quinze minutos depois eu pago. Meia hora depois eu volto para casa. Vejo que o mundo desperta, os mortos da madrugada ressuscitam e eu estou indo morrer um pouco. Chego em casa e quando abro a bolsa para pegar a chave da minha porta, encontro um bilhete escrito num guardanapo amassado. Um número de telefone, um nome desconhecido. Entre os dedos a chave e um papel cheio de vontade de encontro, mas não sou daquelas que vai guardar o bilhetinho e ligar mais tarde. Faço uma bolinha e jogo fora, entro em casa, me jogo na cama, adeus mundo cruel, até mais ver. I go to sleep!

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