30 de abril de 2011

Cartas a meu amigo poeta

São Paulo, 12 de março de 1985


Meu amigo Paulo perdoe-me a ausência nesses últimos anos, mas estive detida pelos militares, culpa da ditadura.


Fui preso enquanto fazia uma passeata em meio a Avenida Paulista. Antes que pudesse me dar conta, policiais armados e mascarados chegaram e levou a mim e mais centenas de estudantes a um lugar que ainda não sei exatamente onde era. Lá, fomos torturados e questionados.
Pensaram que éramos comunistas, mas como bem sabe, não detínhamos a nenhum movimento de esquerda a não ser a nossa associação de estudantes mesmo. Nem pacto com a União Nacional dos Estudantes a gente tinha, mesmo assim, estudante por estudante, todos eram responsabilizados. Se bem que a causa era a mesma. Deter a mais horrenda covardia e tentar com nossas palavras boicotar todo o sistema militar daqueles dias. Enfim, passei, junto com outros de nossos amigos preso e sob custódia do governo militar.
Lastimável e cruel. Não sei se dói mais em nós mesmos as dores físicas que passamos ou ver alguém que gostamos sendo abusada sexualmente e perdendo toda a dignidade na mão de um estranho. Pois é. Vi Carmem, minha noiva ser despida por aqueles corruptos da sociedade e mantida como anal de servidão entre aqueles machos. Era-me de cortar o peito e arrancar lágrimas da minha alma. Ela sofreu tanto que um dia chegou a dormir e não acordar. Levaram-na com o intuito de socorro. Mentiram o hospital, pois logo que sai daquelas grades, rodei por toda a cidade em busca de informações de seu paradeiro e ela nunca havia sido internada. Pode parecer cruel, mas prefiro que ela esteja morta a estar perdida em algum lugar que eu não saiba onde é.
Por hora, venho avisar-lhe que tudo acabou. Talvez tenha visto alguns noticiários falando a respeito do fim do militarismo no poder, mas quero que saiba pelos meus pulsos, que vencemos. Chegou ao fim um período que com certeza entrará para a história.
Não sei como estão às coisas por aí. Mas me contate, me mande noticias. Preciso saber das suas coisas. Penso que a partir de agora, com a nova abertura ao voto popular, a escolha da nação venha a ter progresso.
Nossa terra se salvou e os homens que nos sobraram estão se reunindo para deter os nossos direitos roubados. Talvez leve alguns anos até que tudo se organize de novo, mas já é um grande avanço. A sociedade venceu. O sangue derramado prova que o homem ainda se sensibiliza pelas causas justas e certas. Que nosso país não é um lugar para serem colocados os interesses capitalistas que só tendem a matar sua população. Os momentos de tortura só nos fazem pessoas mais fortes e prontas para brigar novamente se necessário.
Abraço, Júlio

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