22 de julho de 2012

Manifesto

Para todos os cantos do mundo
do norte ao sul, do leste e pro leste
homens sempre acordando cedo
indo trabalhar, estudar, morrer aos poucos
misturando-se aos caos sociais
em nome da harmonia
da complascência
dos filhos, barrigas cheias de vermes
dentes podrificados com os novos costumes
adocicados, amentoados, entre balas de gomas e chocolate
ao leite, amargo, meio amargo.

Cala a boca, pega o bonde
da bom dia, sorri amareladamente a sorte
do dia que lhe restam os dentes, dentaduras
bigodes cerrados, olhos remelentos
um sono mal dormido
costurando assim
poucas horas de deleite, de cama e de sexo
com a vadia de dentro de casa
cujo compromisso da religião
o ofício tornou a chamar de esposa
quinquilharia de ouro amassado, empobrecido
pois o que une uns aos outros ao casamento
entorpece a alma e mantém o resto do ser humano
cativo dentro daquilo que por si próprio cuminou com as horas
com o tempo de serviço prestado em nome
tudo em nome do bom cidadanismo.

Abotoa o botão desabotoado, aberto pela enorme
barriga que salienta e desaprova a forma não atlética do corpo
do homem que acorda cedo, dorme tarde, trabada o dia todo
corpo cansado, amassado, sinais de rugas
e lá se foi, e o bonde foi, as pessoas partiram
para aquele irremediável ritual de reféns proletariados
e não a manifesto, apenas caos, loucura e consentimento.

Coloca o dedo na máquina
que reconhecendo sua digital
atesta sua obrigatoriedade com o dia, com o serviço
com o nada e com todo o resto, pensando na prole
e na mísera esposa que em seu lar ficou
a desdenhar por serviços domésticos
tirar pó, mudar detalhes, aprontar o almoço dos filhos
a janta do marido.

Enquanto tudo isso, no primeiro periodo, a solidão
a saudade de casa, dos filhos, da mulher
da toalha molhada em cima da cama
do ácaro, do mofo, daquele cheiro de olho queimado, velho
saudade da hemorragia sangrenta do final do dia
voltando para casa
apenas uma saudade, mas que passa
ao toque do apito
coloca-se em posição de combate
combatendo seus melindrosos sonhos
não há tempo mais para nostalgias
aquela coisa filha da puta que não volta mais
e pensa que o melhor era não ter casado
mas recua, pois não conheceria a face dos filhos
entra no saguão, cumprimenta um e outro
mais a frente, cumprimenta os patrões de sua cabeça
aquela corja de cobras e lagartos
e ele se encontra em seu recanto de trabalho
oito horas, com uma hora de pausa
bem no meio, das pernas, dos olhos
põe se ao trabalho, arduo trabalho
para sustentação dos seus
da mulher e dos filhos.

Eis que surge a motonia
as máquinas do tempo
comensurada falta de sensibilidade
que num descuido, quase retira dois dedos
do operário cansado
sentindo a morte do dia, das horas que não passam
o maquinário surgiu para testar a capacidade
de sanidade do ser humano
como também fora inventado as horas trabalhadas
e o pingado despositado em banco
entre as taxas a pagar, as outras taxas ocultas
é o jeito de ser humano, nos dias em que estamos
vivendo a beira deum precipicio
de onde não se pode lançar
já que não mata
causa desespero, dó, pena.

Piedade, senhor que dizes Deus
criador, apenas piedade
pede silenciosamente depois de três ou quarto horas
enfiado naquela oficina
já não sabe o tempo que tem
la fora o sol já não vê
areditando o dia ter tornado noite
o apito soa
almoço
comida semi industrializada
com gosto de um sabão vagabundo
de um amargo que conduz a um extremo
cujo nome damos a vida humana.

Engole a comida em pouco tempo
pensa em descansar embaixo de uma máquina qualquer
seu sono está perdido, atrasado
mas não dorme
um operario desquitado, sem filhos não sente aquele sono
puxa assunto, tem esperanças
acredita no verde a amarelo
aposta nas promessas eleitorais
engana-se
reveste-se de uma certeza que o outro
que só pensava em descansar não tem
ainda é casado
e tem filhos
não tem tempo para sonhar
não acredita no futuro da nação
e já não entoa o hino nacional
puro desfecho de uma hora.

Apito, infernal apito
entrada do paraiso ancestral
de onde mortos estão cada vez mais vivos
e os vivos são os grandes, de terno e gravata
que atrás de uma mesa
alisam as pernas de suas secretárias
tão novinhas, pois as velhas se aposentaram
e essas ninfentas, ali vão ficar
envelhecer até a aposentadoria
e dar seus lugares a outras moças
para satisfazer os prazeres
dos próximos herdeiros
outros de terno, mas que vão deprezar as gravatas
mas que continuaram a fortuna as custas dos outros
e gozaram as coxas das secretarias e novas funcionárias
pois meninas tem conquistado seus espaços
num determinado canto denominado
presente, futuro.

Por detrás da coxia do palco dessa vida
o trabalhador que acorda cedo vai ficando leve
cansado, já não sente saudade de casa
quer ir pro bar
beber e cair se jogar numa sarjeta qualquer
não sente mais os desejos primários de sua
existência diária.

Passa as horas
porém para aquele que fica enfiado atrás das máquinas
as horas são sempre as mesmas
quem responde não é mais a falta de cerébro
e sim o corpo, máquina acostumada a um determinado período
continuar a cumprir o que já não se suporta mais.

Morre, mas não falece por ali
tem que voltar para casa, ser pai
marido, o homem da casa.

Outra vez o apito
agora, o que liberta, mesmo não libertando
tornando-se duvidoso
se é bom, ninguém sabe
não sente-se a primazia que o despertou
e passa belo botiquim
compra meio quilo de carne
um litro de leite, um suco em pó
pensa na cerveja, mas não tem tempo
volta as pressas, afinal de contas
ainda é pai e tem filhos para brincar
e ser herói
tem mulher e ainda tem que dar conta
para não perder para um sujeito chamado tempo
que nos nossos tempos, une velhos e jovens.

Abre a porta, as crianças estão vendo televisão
não haverá noticiario
pois querem ver novela
acostumaram com as coisas mundanas
e por esse motivo
não terão tempo para a oração
e da cozinha ouve-se um grito:

– Homem, vai limpar o banheiro
a casa dos cachorros.

E ele vai
cumprir assim
seu papel de macho dominante
numa casa chamada vida,
num mundo sem manifesto.

Um comentário:

Jéssica do Vale disse...

Bela descritiva
do dia monótono
e social. Serviu-me
mais como um vômito.