27 de janeiro de 2013

Uma fumaça negra dentro de mim

Não sou de Santa Maria, mas acordei um tanto quanto junto as cinzas que lá acinzentaram o ambiente. Não fui queimado, mas a sorte não me sorriu porque estou queimando por dento, sangrando. A fumaça não me asfixiou, mas estou sem ar, a fumaça que muitos inalaram, faz minha cabeça pensar que estou tonto. A tragédia não tocou minha família, mas tocou os brasileiros que como muitos, poderiam ser meus irmãos, meus amigos ou qualquer um que eu tanto estimasse. Faltam palavras, mas duzentas e tantas já dizem bem mais que um amontoado de pensamentos ou aforismos. Santa Maria não salvou os filhos seus, que agora se encaminham um a um para outro mundo (eu acredito em mundos paralelos).

Choro por dentro. Sinto que a catástrofe em si já me faz lapidar por dentro e querer correr para todos os que eu conheço e que também estiveram em uma balada. Correr para abraçar e dizer que amo, pois podem ser que muitos de Santa Maria, não ouviram isso em suas vinte quatro horas anterior ao momento final de suas estreias.

Morremos junto com adolescentes, meninos e meninas que tinham sonhos, medos, pesadelos, vontades... Como nós. Morro com a mãe que vela o filho, o pai que enterra quem tanto ama. Só quem já perdeu sabe o que é isso. Perco junto com as famílias, entes queridos, pessoas que como eu, gostam de sair, beber e se divertir.

Não foi um acedente de carro onde se foram três, cinco pessoas. Não foi uma overdose, nem alguns tiros. Foi o fogo em sua finitude que consumiu, estrangulou sonhos adolescentes, vontades jovens, expectativas. Que pintou de cinza o próximo céu azul.

Poderemos sorrir porque não foi com a gente, mas o riso soa falso por os que se foram também fazem parte de uma realidade em comum com a nossa. Sinceramente? Estou sufocado, em pedaços, desabando pelo acontecimento que não é corriqueiro – e não pode ser.

Rio Grande do Sul chora. A Bahia chora. São Paulo e todos os estados, cidades e bairros choram com os pais que perderam seus filhos. Choram pelas ausências que muitos velaram, sofrerão e que alguns terão coragem de expor. Perder, a gente perde sempre. Pessoas precisam morrer para continuar a ordem natural das coisas, mas morrer em massa, deixando que o tempo de leveza, conformação já é demais.

Pais nunca mais sorrirão como antes; avós lamentarão porque deveriam ir antes com os netos. Namorados e namoradas acabaram de ficar viúvas e solteiros forçadamente de namoro.

Não sou narcisista, mas olho foto por foto e vejo a desolação que dói em rostos desconhecidos, mas essa mesma dor também dói em mim. Dor de um último adeus, de um último “por que meu filho e não os outros?” uma dor remédio para a cura da perda. Dói em mim e em milhares; sufocou a mim como sufoca a todos; choro por dentro, mas choro. Uma lágrima que talvez não encontre um significado, mas que me faz vestir o luto, o amor e a força positiva que se é preciso ter, para enterrar e se manter vivo. Há uma fumaça negra dentro de mim e isso? Ninguém salva. Sou Santa Maria, feito de sonhos, de carne e de coração. Estou em luto, não pela comoção que uma tragédia dessas faz, mas porque sou humano e sei do que falo, sinto, pois o fogo que um dia não me incendiou, levou milhares de outros sonhos e corações de carne, que também sangram.

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